
Crônicas e escritos diversos. Opinião. Teatro e Artes.
Andrelândia não é apenas um retrato na parede
Carlos Drummond de Andrade num de seus mais famosos poemas sobre Itabira, sua terra natal, desabafa: - "Itabira é apenas um retrato na parede, mas como dói".
Eu tinha uma dor assim de Andrelândia, embora não seja minha terra natal. Uma dor sem saber porque, dor sentida e ressentida, guardada a sete chaves no fundo da gaveta da memória.
Minha mãe nasceu em Andrelândia e toda a família, se não nasceu lá,
é como se tivesse vindo ao mundo ali naquela pequena cidade do Campo das Vertentes.
Na minha adolescência e até 1970, último ano em que fui a Andrelândia, passei ali momentos de alegria nas semanas santas em que minha mãe me levava para junto da sua família.
Namorei, traquinei, "roubei" o carro do Tio Otávio, encontrei os primos e primas e via a familia crescendo junto. Faziamos planos, iamos a bailes e nos imaginávamos adultos indo a Andrelândia com as nossas familias.
Na minha adolescência e até 1970, último ano em que fui a Andrelândia, passei ali momentos de alegria nas semanas santas em que minha mãe me levava para junto da sua família.
Namorei, traquinei, "roubei" o carro do Tio Otávio, encontrei os primos e primas e via a familia crescendo junto. Faziamos planos, iamos a bailes e nos imaginávamos adultos indo a Andrelândia com as nossas familias.
Mas a vida nos destrava e desarquiva, traças caminhos diversos, distantes, e somos levados por tantas veredas e sertões que tudo isso foi ficando apenas saudade.
Ano após ano ouvia e sentia de longe os preparativos para as viagens a Andrelândia. O rebuliço dos primos, quem vai e quem não vai, a casa que o Mauricio e Huga haviam construído, as reuniões de família, algumas fotos esparsas que me chegavam, a semana santa, o carnaval e outras ocasiões.
Minha mãe ainda foi algumas poucas vezes... eu, nunca mais.
Corri outros mundos, paises, trabalho incessante, desfinquei as raízes do chão e as que ainda me restavam eu as cravei em Belo Horizonte.
Fiquei sendo cidadão do mundo e de mim mesmo, enredado nas tramas da tragicomédia que a é vida.
Andrelândia ficou assim quase esquecida, até que em 1986, montei um espetáculo comovente que se passava numa cidade do interior de Minas. O texto era de um grande autor paulista: Alcides Nogueira que havia ganho o prêmio Molière e eu o transpus para o interior de Minas.
Resgatei ai a Andrelândia do meu imaginário, fiz as personagens passearem pelas ruas, noites e dias da cidade pequena. Andrelândia ficou sendo o centro do palco em "Lua de Cetim".
Durante dois anos e meio em cartaz em Belo Horizonte e mais 58 cidades, Andrelândia se iluminava em minha memória pela boca dos atores e sua fala mansa de mineiros tranquilos.
Mais de cinquenta mil espectadores viajaram a essa Andrelândia
Mais de cinquenta mil espectadores viajaram a essa Andrelândia
da minha adolescência através de "Lua de Cetim".
Nunca mais voltei e me perguntava os motivos de não ir.
Alguns convites foram feitos e eu quase nunca podia arredar o pé do meu pequeno/grande mundo.
Depois do "encantamento" dos meus pais em 98 e 2000 - Rosa, Guimarães dizia que "as pessoas não morrem, apena se encantam" - eu achei que minha familia tinha se esvaído por inteiro e não sabia como reconhecer mais as minhas origens e raízes.
Foi preciso o convite incisivo do Márcio este ano para que eu me enchesse de coragem e tomasse uma das muitas estradas que me levavam ao passado. "Toma de Minas a estrada", repetia a frase do poeta dentro de mim.
E Andrelândia foi se aproximando à noite, com suas luzes perdidas entre as montanhas e eu pude sentir que voltava no tempo ao atravessar a linha do trem e subir a rua principal até parar o carro na casa da Nancy e tia Dagmar.
Olhei o sobrado e era como se eu nunca tivesse saído dali. Fui entrando devagar, pondo reparo em coisa por coisa, objetos, móveis, retratos...o cheiro da casa me levou numa fração de segundo a abrir a caixa da memória. Senti saudades da minha mãe, do Tio Otávio e de tantos outros que passeavam pela casa. E senti a presença de todos ali reunidos numa noite qualquer dos anos sessenta e eu era um jovem querendo amadurecer e respirar o ar da cidade pequena.
E chorei internamente porque demorei tantos anos a voltar, mas também de alegria por ter ido.
Depois fui encontrando as pessoas, algumas que eu não via há mais de vinte, trinta anos, outros primos que eu não conhecia e alguns que eu nem reconhecia direito. Tudo isso foi a redescoberta do tempo perdido.
A casa da Marta havia mudado internamente mas ela estava ali com a mesma cara e o sorriso de bondade de sempre. Luiza, Eliana, Márcia se parecem tanto e tanto com mãe.
Mauricio e Huga me abriram casa e coração e Tia Rosinha parecia um camafeu daqueles que a gente guarda pra sempre. Dá vontade de colocá-la no colo e dizer segredos, gratidões e confissões em seus ouvidos.
E foi um cheirar, reconhecer, abraçar, beijar e acariciar a familia o tempo todo.
Conhecer as casas por dentro é como ver a alma da pessoa. Assim foi na casa de todos, em especial de Maria Elisa e Marcos. Pinturas de Tia Glorinha espalhadas nas paredes das casas e Luiza herdando o traço e o gosto da avó. A história se repete de geração em geração.
E agora foram chegando as fotos pela internet e revelei as minhas que guardei num album.
Uma familia bonita, fiquei aqui pensando ao ver tanta gente reunida.
Bonita por dentro e por fora.
E vendo a alma de tanta gente, lavei a minha com um banho de afagos que me foram feitos.
E chorei e ri de emoção ao me ver resgatado pela familia que eu julgava perdida.
Recarreguei as baterias e voltei ao mundo real.
Andrelândia ficou lá e não é mais e tão somente um retrato na parede.
2003